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Riscos de Integridade na Cadeia de Suprimentos: Estratégias para uma Governança Corporativa Robusta – Parte 4/4

Por Manuel Marinho, CEO da EthQuo, Conselheiro de Administração Certificado pelo IBGC

Esta é a quarta e última parte desse texto. Você pode ler a primeira parte clicando aqui.

3.4          Beneficiários finais, conflitos de interesses e outros problemas de governança na cadeia de suprimentos:

Os riscos associados a terceiros não decorrem somente da pessoa física ou da entidade com as quais a organização firma uma relação comercial ou institucional.  É importante lembrar que os terceiros podem se ver contaminados pelos problemas reputacionais de seus parentes, de seus sócios, de outras empresas do mesmo grupo econômico ou de seu círculo de relacionamentos etc.  Portanto, para alçar a organização a um nível de maturidade realmente avançado em governança de integridade, é essencial que suas práticas de due diligence de terceiros tenham um alcance estendido, cobrindo ao menos as situações a seguir:

  1. Beneficiários finais:  Terminada uma pesquisa de background check de uma empresa que pretende iniciar um relacionamento comercial ou institucional com a organização, pode ocorrer de os resultados obtidos em relação aos sócios diretos e administradores daquela sociedade não apontarem quaisquer riscos ético-reputacionais ou de outra natureza, mas…  Quem realmente está por trás deste terceiro?
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Não é raro que pessoas com grande exposição reputacional, financeira, regulatória, ou ainda com participação escusa em algum segmento de mercado, acusações criminais, dentre outros problemas de integridade, se mantenham distantes da linha de frente de suas empresas.  Para esses fins, podem ser interpostas várias camadas societárias, cumuladas com o envolvimento de parentes, representantes legais, estruturas de fundos etc., tornando difícil a identificação de quem seja o verdadeiro controlador do negócio e escondendo seus problemas de integridade.  Mas quando tal fato vem à tona, os danos de imagem para a organização podem ser severos.

No âmbito da governança de integridade, a busca de informações sobre as pessoas que realmente controlam um terceiro é denominada de pesquisa de beneficiários finais (ou Ultimate Beneficial Owners – UBO).

É uma boa prática de governança conhecer os indivíduos que ocupem a posição de UBO dos terceiros com maior representatividade na cadeia de suprimentos da organização e, se necessário, realizar um background check específico para essas pessoas.  Não se contente em conhecer apenas os sócios diretos e administradores do terceiro. O verdadeiro risco pode estar vários níveis societários acima!

  • Conflitos de Interesses: Muitas vezes não se identifica problema de integridade algum em relação a um terceiro que pretende iniciar um relacionamento comercial ou institucional com a organização.  Mas, mesmo assim, aquela contratação pode estar maculada com um vício de conformidade muito importante.
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Quando o terceiro é próximo de um colaborador da organização, por elos de parentesco ou por conexões societárias, surge um cenário de potencial conflito de interesses – especialmente quando o colaborador faz parte ou exerce influência sobre a área de negócios com a qual o terceiro transaciona comercialmente, por exemplo:  a área de compras em relação a um fornecedor; a área de vendas em relação a um cliente; a área de marketing em relação à agência de propaganda; a Diretoria Financeira em relação a um banco que financie a organização etc.

Certos tipos de relação entre terceiros e colaboradores-chave devem ser evitados, posto que abrem frestas para situações de facilitação contratual, privilégios, “incentivos” (ou coisa pior), que obviamente são contrárias ao melhor interesse da organização.

São inúmeros os casos de fraudes no mundo corporativo, que têm origem em conexões familiares, sociais ou societárias entre terceiros e colaboradores.  Portanto, em relação aos principais terceiros da cadeia de valor, é uma boa prática de governança averiguar a eventual existência de parentesco ou vínculo societário com colaboradores da organização, pelo menos até o terceiro nível de conexão.  Esses testes podem ser feitos através da contratação de firmas especializadas, a custos reduzidos.  Conte com o apoio da EthQuo nessas demandas.

3.          Riscos de integridade em pontos mais distantes da cadeia de suprimentos:  E quando o problema de integridade não é intrínseco a um terceiro, mas a um outro ator, mais distante da organização na cadeia de suprimentos?  Sim, há uma razoável possibilidade de um fornecedor indireto também causar sérios estragos reputacionais em todos os seus parceiros na cadeia de suprimentos.  Há uma infinidade de situações do tipo no mundo corporativo.  Para citar algumas:  trabalho escravo na cadeia de vestuário; crimes ambientais na cadeia de proteína animal; casos de corrupção na cadeia da construção civil (obras públicas); conluio entre agentes no mercado financeiro etc.

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É uma boa prática de governança para a organização demandar de todos os terceiros em sua cadeia de suprimentos que definam políticas e adotem processos de diligência de integridade de suas principais contrapartes, comparáveis àquelas aplicadas pela própria organização.  Nos tópicos 3.5 e 3.6 exploramos mais a fundo a operacionalização e benefícios da extensão da governança de integridade de terceiros ao longo de toda a cadeia de suprimentos.

3.5          O papel indutor da organização na integridade de terceiros da cadeia de suprimentos:

Neste texto discutimos diversas medidas preventivas e mitigatórias de que as organizações podem se valer, para se protegerem contra riscos de integridade de terceiros.  Todas elas têm em comum o fato de se valerem de recursos, atributos ou mecanismos internos, acionáveis pela própria organização.

Mas é possível ir além.  A influência que a organização exerce sobre a cadeia de suprimentos como um todo pode funcionar como um dínamo indutor de boas práticas de governança de integridade.  São ações simples, de baixo custo e de fácil evidenciação, que vão contribuir para a redução do risco em todo o ecossistema do negócio.  Alguns exemplos de ações indutoras que a organização pode liderar com pouquíssimo investimento incluem:

  • Treinamentos orientados para riscos no relacionamento com terceiros;
  • Seminários e encontros para estudos de caso com parceiros;
  • Compartilhamento de modelos contratuais e templates;
  • Workshops para troca de experiências entre pares ou na cadeia de suprimentos;
  • Proposição de plano de melhorias gradual, com indicadores e metas para parceiros-chave;
  • Premiações e incentivos a parceiros;
  • Divulgação de progressos e bons desempenhos na prevenção de riscos;
  • Criação de uma comissão de integridade, com representantes das principais categorias de terceiros da cadeia de suprimentos;
  • Desenvolvimento colaborativo de processos e práticas, visando à captura de sinergias, maior efetividade e redução de custos, dentre outros.

Sua organização pode ser protagonista nesta matéria.  Os benefícios derivados das ações de indução às boas práticas de governança de integridade para toda a comunidade de terceiros certamente superarão em muito os investimentos aportados à iniciativa.

3.6          “Ecossistematização” da governança de integridade na cadeia de suprimentos da organização:

Os programas de integridade modernos têm explorado uma abordagem de governança de integridade de terceiros mais holística, propondo que as estruturas e processos ultrapassem os portões das organizações e sejam co-operados com os próprios terceiros, alinhando propósitos, objetivos e certas práticas de governança em todo o ecossistema de negócios.

O que se busca é expansão material do sistema de governança de integridade, para:  (i) alcançar a cadeia de suprimentos como um todo e não apenas os terceiros diretamente envolvidos em transações com a organização;  (ii) promover a transparência nas instâncias transacionais que são alheias à organização;  (iii) proporcionar uniformidade nos valores éticos praticados pelos integrantes da mesma cadeia; (iv) satisfazer às demandas de stakeholders engajados e munidos de ferramentas digitais poderosas, que reagem a desvios ético-reputacionais ocorridos em qualquer ponto da cadeia de suprimentos da organização.

Neste conceito, a organização funciona como um núcleo irradiador e receptor de boas práticas de governança, colaborativamente contribuindo para a redução dos riscos de integridade de toda a cadeia de suprimentos.  Quando a uniformização dessas práticas é perceptível e a sua operação se dá com a transparência adequada, pode-se dizer que o ambiente de negócios da organização atua sob um mesmo macrossistema de governança – o que chamamos de “ecossistematização” da governança de integridade de terceiros.

Para além da diminuição do risco, esta abordagem também possibilita uma redução do custo de governança para todos os integrantes do ecossistema.  Sim, é possível, em um ecossistema organizado, alinhado em suas práticas de governança, compartilhar informações de integridade de seus atores e outros terceiros, bem como os custos com ferramentas, tecnologias, estruturas e outros instrumentos utilizados em sua operação.

Considere seriamente “ecossistematizar” as práticas de governança de integridade de terceiros em sua organização (para mais informações sobre o tema, veja nosso conteúdo em https://ethquo.com.br/governanca-de-integridade-de-terceiros-alguns-conceitos/).

3.7          Gestão estratégica de integridade de terceiros:

Há diversas fórmulas através das quais as práticas de governança de integridade de terceiros podem ser formatadas.  Na mais comum, as organizações definem suas estruturas e processos consoante seus objetivos e modelos de negócios e, a partir dos riscos de integridade de terceiros mapeados, estabelecem controles que visem a proporcionar o máximo de proteção, em conformidade com suas diretrizes.

É uma fórmula que abarca diversos mecanismos de controle de consagrada eficiência, já abordados neste texto, tais como o background check, a confirmação de dados em seleção/onboarding de contrapartes e o monitoramento de integridade.  A presença desses controles, posicionados ao longo dos respectivos processos de modo a eficientemente proteger a organização contra riscos de integridade de seus terceiros, proporciona o que eu denomino de “governança de integridade by default”, ou seja, qualquer que seja a transação praticada pela organização e quaisquer que sejam os terceiros nela envolvidos, terão que ser submetidos aos controles, análises e crivos de integridade instituídos nos respectivos processos, por padrão (ou by default).

As práticas de governança de integridade de terceiros podem (e devem) ir um degrau acima.  Além de estarem presentes nos processos corporativos, sob a forma de controles, também é possível considerar seus objetivos na estruturação do modelo de negócio propriamente dito, situação na qual a governança de integridade ganha o status de elemento nativo do propósito da organização.

Um bom exemplo seria a definição de requisitos de integridade qualificatórios para terceiros candidatos a fazerem parte da cadeia de suprimentos da organização, seguido da criação de um “banco de parceiros” previamente qualificados, com indicadores acima dos níveis mínimos requeridos.  No passo seguinte (a seleção dos parceiros), a organização pode solicitar evidências rastreáveis de que riscos eventualmente detectados na etapa de qualificação tenham sido resolvidos ou mitigados.

Um outro exemplo, presente em organizações com alto nível de maturidade em governança, vai ainda mais adiante e projeta os conceitos de integridade de terceiros nas definições estratégicas do negócio como um todo.  Essas definições poderiam vir na forma de cautelas adicionais em relação a terceiros que operem em certos segmentos de mercado, campanhas internas valorizando a integridade na cadeia de valor, ações afirmativas em capacitações sobre políticas de integridade para todos os colaboradores (e não apenas os que mantêm relacionamentos com terceiros), dentre outras ações.

As iniciativas ou práticas descritas acima compõem o que eu denomino de “governança de integridade by design”.

Governança de integridade by default e by design têm em comum o fato de que integram o mesmo
sistema, ora através de práticas embarcadas ao nível transacional (by default), ora em camadas estratégicas, táticas ou jurídico-instrumentais (by design).  Não há diferenças qualitativas entre essas fórmulas e nem são elas excludentes entre si – ambas cumprem o seu papel preventivo e mitigatório no contexto de seus respectivos âmbitos de aplicação e é justamente o seu funcionamento sistemático (ou seja, como partes de um mesmo sistema) que há de proporcionar um nível de efetividade elevado de gestão de riscos de integridade de terceiros para a organização.



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