Integridade de terceiros em projetos de M&A

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Integridade de terceiros em projetos de M&A

Por Manuel Marinho, CEO da EthQuo[1]

A oportunidade de ganhar escala, capturar sinergias, integrar tecnologias, expandir market share, enfim, de multiplicar valor, por meio de uma operação de M&A, é extasiante…  Organizações com práticas evoluídas levam muitíssimo a sério as possibilidades de crescimento através de aquisições e há tempos incorporaram processos para avançar em transações deste tipo com um alto nível de objetividade e impessoalidade, de modo a assegurar a todos os seus stakeholders que a decisão de concluir ou não a operação foi tomada no melhor interesse da organização e, por consequência, dos próprios stakeholders.

Não é incomum encontrar em grandes organizações um núcleo de estratégia com agenda permanente de identificação e avaliação de oportunidades que agreguem valor por meio de combinações de negócios com outras empresas, seja através de algum modelo de aquisição mais convencional ou mediante outros arranjos com impactos econômico-financeiros semelhantes – em geral, denominadas estratégias de crescimento inorgânico.  Esses núcleos estratégicos organizados podem, inclusive, contar com estruturas organizacionais subordinadas específicas, tais como uma “Diretoria de M&A”, um departamento interno, uma gerência dedicada ou simplesmente uma equipe especializada, com objetivos próprios, processos, sistemas, pessoas etc., suportadas por orçamentos generosos.

O compromisso com a objetividade e a impessoalidade asseguram a presença destas duas importantes diretrizes na governança dos projetos/processos de M&A.  E eu diria que elas são as principais, os nortes primários a serem perseguidos em matéria de M&A e que garantirão que o hype da transação e a notoriedade que se seguirá não serão o eixo motor do processo decisório (não podemos esquecer que a vaidade humana prega peças…).  Mas, naturalmente, há outras diretrizes a considerar:  a abrangência das informações, o esforço de confirmação crítica e o conhecimento especializado técnico/analítico.  Estas três últimas conferem aos projetos/processos de M&A o razoável conforto de que o julgamento feito sobre as informações obtidas estará revestido do nível máximo de probidade possível, naquelas circunstâncias.  E é isso que a organização e seus stakeholders esperam.

Sobre o tema, queria agregar uma nota rápida, para dizer que já escutei de mais de um executivo que os stakeholders são cruéis com os administradores, quando um projeto de M&A não entrega o prometido, no prazo projetado, condenando a transação em si pelas perdas verificadas em momento futuro.  Bem…  Creio que é uma visão demasiadamente simplista…  Prefiro apontar a causa desta frustração do “mercado” para dois momentos distintos:  o da escolha/decisão da empresa target; e o da realização da expectativa/ambição com a operação.  Concordo que os resultados posteriores à uma transação de M&A podem ser frustrados em razão de uma escolha infeliz da target, contudo, na maior parte dos casos, é na execução da estratégica pós-aquisição que reside o problema…  E, podem acreditar, o mercado é sábio o suficiente para distinguir entre uma má escolha e uma má gestão, quando se trata de M&A…

De volta à questão das diretrizes para um projeto/processo de M&A, podemos, portanto, resumi-las em objetividade, impessoalidade, abrangência (de informações), qualidade de dados (confirmáveis e precisos) e conhecimento.  Objetividade, impessoalidade e conhecimento dependem unicamente da própria organização.  Abrangência informacional depende unicamente da empresa target – e há de se considerar, sempre, um certo nível de assimetria neste quesito…  Já a qualidade depende de ambas!  E explico:  não há problemas em assumir, com boa fé e espírito de lealdade empresarial, que os dados disponibilizados pela empresa target, no contexto da transação de M&A, são presumivelmente precisos e confirmáveis, mas naturalmente que cabe à organização tomar certas medidas para minimamente se certificar a respeito.

É justamente para confirmar a qualidade dos dados disponíveis que foram desenvolvidos os processos de due diligence.  Tradicionalmente, projetos de M&A contam com frentes de diligência específicas para informações financeiras/contábeis, legais (contratos, disputas, autorizações, licenças, seguros, garantias etc.), de recursos humanos (práticas e disputas), tributárias (especialmente no Brasil…  Por razões óbvias…), e de tecnologia da informação – esta última ganhando vigor a partir do final do século passado, em função dos riscos associados ao “bug do milênio” e, desde então, por conta das sucessivas ameaças de intrusão em sistemas, furto de informações confidenciais, vazamento de dados pessoais, outras infrações no campo da LGPD, bloqueio de dados com cobrança de “resgate” e toda sorte de vulnerabilidades cibernéticas que foram surgindo (e creio que estamos só no começo…).

Na década passada, as due diligences em M&As gradualmente passaram a contar com uma frente especializada em governança (distinta da abordagem legal), na esteira da evolução de temas como sustentabilidade e compliance, que por sua vez ganharam corpo e hoje reúnem as diversas disciplinas da temática ESG.  Era de se esperar uma especialização das diligências nessa direção, tamanha a inserção da agenda ESG na pauta estratégica das empresas, afetando o negócio como um todo e, em muitos casos, dando-lhe forma e contornos.  Alguns assuntos com alto potencial de corrosão de valor costumam ganhar mais destaque nas due diligences, tais como a identificação de situações que possam caracterizar “greenwashing” e “socialwashing” – são tópicos nos campos “E” (ambiental) e “S” (social) do ESG.

No tocante à governança (o “G” em ESG), os projetos de due diligence de empresas target inicialmente focavam nas suas estruturas internas de controles, na efetividade de processos para detecção de fraudes e conflitos de interesses, na existência de canais de denúncia que não fossem “de fachada” e em obter uma visão (um tanto superficial) da coerência entre o discurso corporativo e as práticas previstas em Códigos de Conduta e outras políticas internas.  Mais recentemente, este escopo tem se estendido e tem sido cada vez mais comum observar as abordagens de diligência abarcarem a análise da efetividade das práticas de governança de integridade de terceiros (fornecedores, clientes, parceiros, patrocinadores, novos administradores etc.) das empresas target.  Busca-se identificar se elas realmente empregam esforços razoáveis de pesquisa de antecedentes (background checks, Know Your Customer etc.) e adotam cautelas adequadas nas contratações com contrapartes que possam apresentar problemas reputacionais, regulatórios, de crédito no mercado e até mesmo criminais (sim, criminais!).

Os terceiros que ingressam no ecossistema empresarial da organização por intermédio da aquisição de uma empresa target (toda a nova carteira de clientes, fornecedores, parceiros e até os gestores da target) trazem consigo todos os seus problemas de integridade, os quais podem facilmente contaminar, de forma brutal, a imagem da organização logo após a conclusão da operação, além de poderem causar estragos financeiros que se ramificam para toda a cadeia de valor, exposições junto a reguladores, responsabilização de administradores…  A lista de “encrencas” é longa.  E, em algumas circunstâncias, deve-se considerar, seriamente, a postergar ou rejeitar a aquisição de uma empresa target que apresente uma régua demasiado baixa no tocante à governança de integridade de terceiros.

E então, surge a pergunta:  o que deve ser aferido pela organização, em tempo de due diligence, em relação à governança de integridade de uma empresa target?  Mais do que apresentar políticas restritivas (quase sempre primorosamente escritas), prevendo pesquisas prévias e monitoramento sobre desvios ético-reputacionais de terceiros, que possam limitar ou impedir a sua contratação, é fundamental saber se os preceitos anunciados pela target são verificáveis (confirmação) na realidade dos negócios.  E, na minha experiência, infelizmente devo dizer é costumeiro constatar hiatos consideráveis entre o discurso e a prática, especialmente em empresas de segmentos não regulados e de porte médio ou pequeno.

Portanto, considere minimamente as seguintes ações, em sua diligência de integridade de terceiros de uma empresa target:

  1. Confirme a existência de políticas internas prevendo a realização de pesquisas prévias de background check, Know Your Customer (KYC), Know Your Partner (KYP) e outras abordagens de semelhante finalidade, para levantamento de informações abrangentes sobre a integridade de terceiros, anteriormente à contratação – como disse, a mera existência de uma norma escrita não basta, mas já é um bom sinal…;
  2. Assegure-se de que os contratos com terceiros preveem restrições, garantias, sanções ou a possibilidade de rescisão, caso algum desvio ético-reputacional seja observado após a contratação;
  3. Obtenha evidências de que as pesquisas de integridade (background checks, KYCs etc.) são realmente realizadas para todos os terceiros, previamente à sua contratação, e que monitoramentos periódicos de compliance são executados em relação às contrapartes de maior risco, após a sua contratação;
  4. Certifique-se de que há um processo interno de rating dos resultados das pesquisas de integridade, com discussão sobre salvaguardas aplicáveis aos achados com potencial de risco e interação com as respectivas áreas de negócio, Departamento Jurídico e de Governança, para definição da resposta mais adequada aos riscos detectados; e
  5. Faça um teste sobre a carteira de clientes, fornecedores, parceiros e dos administradores da target, para um levantamento geral da existência de desvios ético-reputacionais, independentemente de já terem sido detectados ou ignorados – isso pode ser feito com suporte em tecnologia de empresas especializadas, colhendo-se uma amostra das respectivas populações, que seja representativa do ambiente de risco da target.  Esta é uma abordagem eficiente para ganhar uma visão geral da efetividade dos processos e controles nesta área.

Os tópicos acima são uma fórmula moderna, de rápida execução e baixo custo no contexto de um projeto de due diligence em M&A, mas com altíssimo potencial para revelar dados e riscos de integridade relevantes associados à empresa target.  Posso dar meu testemunho pessoal:  vale o investimento!  Experimente adotá-los em seu próximo projeto.

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Notas:

[1]  A EthQuo é uma empresa especializada em ferramentas digitais para suporte a todas as práticas de diligência de integridade de terceiros das organizações e conta com ferramentas específicas para apoio em projetos de M&A (www.ethquo.com).



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